Aprendendo a ser

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Fá-lo-ei por eles e por outros que me confiaram as suas vidas, dizendo: toma, escreve, para que o vento não o apague.

6 de junho de 2011



"é uma pontada cada vez que respiro. Às vezes aspiro fundo e encho os pulmões de um ar i n s u p o r t á v e l, para ter alguns segundos de conforto, expelindo a dor. Mas bem antes da doença e da velhice, talvez minha vida já fosse um pouco assim, uma dorzinha chata a me espetar o tempo todo, e de repente uma lambada atroz. Quando perdi minha mulher, foi atroz. E qualquer coisa que eu recorde agora, vai doer, a memória é uma vasta ferida."

(Leite Derramado - Chico Buarque)

Há belezas incofessas

cujo recato não permite a doçura de uma carícia...mesmo leve

o esconder das formas a tudo provoca

e o mostrar insensível aos olhos torna

E há belezas a olhos nus

Incontestáveis

tais quais as leis das exatas

que excita os olhos

eriça a pele

e depois a vista desloca

pois nessa vida

há outras conquistas

outras procuras infinitas

e havia também os meus olhos perplexos...

essas confusas órbitas

à procura de incógnitas

sem foco

de quem anseia conhecer o mundo

mas nulo de conhecimento esbarra em tudo

e só fica mais confuso


cedo na vida fui senhor de "Me-perdi"

esse reino tao miserável quanto exílado

pois nada lá é de si conectado

há Franksteins desvairados

em que nada se encaixa

o monstro sem memória

que apenas sobre a vida resvala

e vivia por isso ressentido, melancólico e facilmente presumido

nem eu mesmo de mim era digno

porque não me investiguei a fundo

não me fiz de mim intimo

por isso, cedo, vivenciei meu próprio luto

E por fim, nunca me fui soberano

é que havia outros planos...

fortuitos encontros

amigos-enganos

paixões de pano

bonecas de falso porcelano

tantos humanos

tantas artes

por vezes, agradáveis paisagens

tantas fraudes

fraudas geriátricas e infantes palhaçadas

tantos fatos facilmente corroborados

mas de insistir no erro me via obrigado

tantos artefatos

e aquelas velhas piadas

que a gente só ri porque sabe onde vai dá

e a platéia ali esta porque quer se entusiasmar

o fastio da monotonia cansa e desilude

a minha vida que é apenas vazia

mas sorriso mesmo desiludido é melhor que o choro rude

seus crochés mal acabados

e suas doenças mal curadas

as velhinhas tão estúpidas

que nas suas velhas crenças roubam minha paciência

mas não quero parecer rude

entao sorrio complacente

mostro os amarelos dentes

e dentre essas tantas descobertas descritas em longos pergaminhos

tantos burburinhos

entre essas tantas velharias e bungigangas

havia curiosidades tantas

e tempo pra mim não havia

é que ja não me aguentava a anos

há tempos distração vinha procurando

qualquer coisa que me ecalentasse o peito


a vida pra mim se deu de modo contrário

de menino fui senhor triste a acabrunhado

de senhor maduro, sou menino desvairado

me perdi pelas paixões a que nao soube a nenhuma me ater

é que havia amores às tantas e

às tontas

por pessoa qualquer

que eu pensara ser amor de jeito,

sabe, "um amor de respeito"? Como diz o cabra matuto

Amor pra me acompanhar ao derradeiro leito

foi coisa que busquei na esteira da viagem

mas sem nunca me prender por inteiro

foi esse meu fácil seduzir-se

que me fazia assim

o coração senhor de mim

e menino de coração

que nunca soube a quantas despedidas estava predestinado esse coração

cedo descobri que não sabia o que fazer de mim

me pus a escrever

procurando salvação

busquei na poesia

essa solitária menina

à janela, triste e feia

e de investigar-lhe a natureza

vi a grande mentira que era

"só escreve quem vive ou quem à vida contempla e lapida"

matéria para escrever tem mesmo é o poeta que tem fome de vida

não escreve quem amou

ou quem viu amantes se enlaçarem na luz de uma candeia

escreve quem tem fome de amor

assim era eu

pedinte

doente

insone

faminto

perdido

que cobiço e imagino

a serenidade da saúde

a tosse antiga me perturba

o prazer insondável do sono

me incomoda a sensação de fartura

é na penumbra desse quarto

que anseio a liberdade

e lhe dou aquele vigor ao proclamá-la ainda que tarde

havia viagens

muitas paisagens

propostas insondáveis

e os desejos a trespassar o peito

mas entre tantos de amor-desejo

haveria o singular?

o que iria ficar?

a constância incansável?

o não fatigar no olhar...

haveria mesmo aquela a quem depois do sexo eu não iria querer pro outro lado virar?

mas o que o mundo moderno

pode entender das dores de um velho?

aqui dentro arde

e nao mais a tosse acostumada ao peito

a avisar meu fim suspeito

são as cólicas de uma vontade

ai o mundo moderno!...

e esse velho quase sem peito

a se queixar ao psicólogo

a pagar-lhe de consulta duas horas

e relatar os projetos que nunca deram certo

quanto mais eu vivo mais ultrapassado de mim me fico

que nem em mim me acho mais

é que pra esse navio não houve cais

nem mesmo alguém com quem fosse plena a conversa

vai haver sempre uma palavra,um novo eletrodoméstico e até um sentimento

que eu não conheço

que não entendo

é que o ouvido, esse amigo desatento

também foi ficando velho

acostumado aos vãos e a ouvir o silencio

é de tão antigos que os móveis da casa vao sendo substituidos

por uns ocos de madeira compensada

eu madeira de lei, me jogaram no canto embaixo da escada

empoeirado

e calado pra poder dormi sossegado

e nao incomodar com meu rude palavreado

às visitas que acabaram de chegar

menino, não te atormentes

que a explicação da vida nao se dá num dia

nem numa sala de aula vazia

nem muito menos na poesia

senta ai meu velho, que a fila dos remédios é também velha

e te faz ver que a vida não é assim tao breve

e o conforto da sala de espera é lêdo engano

pois ela está vazia

e so algumas revistas velhas não te acalentam a solidão que também é velha

as imagens coloridas e a sacadas dos jornalistas

a preencher espaços vazios

mas faz parte da decoração...as revistas, não o velho

Poeta, cala esse peito

nao há motivo pra tanto desassossego

tuas palavras não comovem as gentes

não desfazem enganos feitos

é nesse canto escuro junto ao piano

que levanta as asas mas não abana

isolado de tudo

nunca saberá o que é tocar o mundo

então fica com a palavra

essa mulher desvairada

que da vida não sabe nada

que tá na feira falando asneira

e pensa que é mulher sábia

Sobrou só o meu velho ato sondar o mundo

e os meus olhos perplexos, lembram deles?

Esses gatos lépidos a procura de um rolo de linha...frívolos

esse bichos em vidros histéreis

a roçar-se em minhas pernas

e a olhar tudo de olhos assustados..atentos

como se fosse a primeira vez

a prever alguma história, quem sabe mais bela.