Aprendendo a ser

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Fá-lo-ei por eles e por outros que me confiaram as suas vidas, dizendo: toma, escreve, para que o vento não o apague.

5 de agosto de 2011

Amo


amo por me pensar amante
(amo dizendo que amo pra testar se amo de fato)
Mas há um cansaço absurdo
Ecoando lá fora e há também a distância dos corpos
amo tão arrebatado
que de tão ofegante não agüento fazer planos)
é visceral, é sanguíneo
Não há amanhã
Te quero agora
amo muito antes que chegues ao local de encontro
amo no retorno
na curva
na virada brusca
amo acidentalmente
amo na liquidez do cotidiano
ralo
frágil
pós-moderno
fragmentado

amo na poesia engajada
e na inútil também
seja de Mallarmé ou de tom Zé
amo por me saber mulher
amo desde a padaria
do teatro até a coxia
amo na encenação óbvia
amo de forma andrógena
sem tocar no sentimento
mas vivido gota a gota
e por isso tão impotente
como um lamento
ao primeiro gole de café
amo na fome
na fartura
desde os agrados
até a tortura
amo intacta de aproximação
amo de amores desconhecidos
dentre eles, tu, eu, a desilusão
amo de palavras fáceis
porque amor mesmo é tão difícil de encontrar
amo numa tosse contida
amo como gatos de olhos despertos
silenciosa, na luta consentida entre mim e o que desejo ser um dia
e o que mereço ser
amo em caminho ensolarado
ardendo em meus olhos o suor
o caminho longo
pernas quebradas
amo na ópera das paixões sós
na acidez do cotidiano
na ironia com que convivo a anos
amo, porque antes
esqueci de amar mais a alguém
quem sabe a mim
e por amar dedico os versos mais sentidos
que poderia ofertar
amo em Eneida, em Julieta, em Isolda
sou capaz de amar todas as outras
e esquecer quem sou
amo nas enchentes dessa cidade
que em chuva de verão
transforma o dia todo em tarde
amo coqueiros altos
que avisto ao longe
imponentes se revelaram
amo em cerca de arame farpado
que de fronteiras a ultrapassar
saio cortado.
Enfim, amo
Das fugas cansei
Das procuras também
É que te esperava a anos




6 de junho de 2011



"é uma pontada cada vez que respiro. Às vezes aspiro fundo e encho os pulmões de um ar i n s u p o r t á v e l, para ter alguns segundos de conforto, expelindo a dor. Mas bem antes da doença e da velhice, talvez minha vida já fosse um pouco assim, uma dorzinha chata a me espetar o tempo todo, e de repente uma lambada atroz. Quando perdi minha mulher, foi atroz. E qualquer coisa que eu recorde agora, vai doer, a memória é uma vasta ferida."

(Leite Derramado - Chico Buarque)

Há belezas incofessas

cujo recato não permite a doçura de uma carícia...mesmo leve

o esconder das formas a tudo provoca

e o mostrar insensível aos olhos torna

E há belezas a olhos nus

Incontestáveis

tais quais as leis das exatas

que excita os olhos

eriça a pele

e depois a vista desloca

pois nessa vida

há outras conquistas

outras procuras infinitas

e havia também os meus olhos perplexos...

essas confusas órbitas

à procura de incógnitas

sem foco

de quem anseia conhecer o mundo

mas nulo de conhecimento esbarra em tudo

e só fica mais confuso


cedo na vida fui senhor de "Me-perdi"

esse reino tao miserável quanto exílado

pois nada lá é de si conectado

há Franksteins desvairados

em que nada se encaixa

o monstro sem memória

que apenas sobre a vida resvala

e vivia por isso ressentido, melancólico e facilmente presumido

nem eu mesmo de mim era digno

porque não me investiguei a fundo

não me fiz de mim intimo

por isso, cedo, vivenciei meu próprio luto

E por fim, nunca me fui soberano

é que havia outros planos...

fortuitos encontros

amigos-enganos

paixões de pano

bonecas de falso porcelano

tantos humanos

tantas artes

por vezes, agradáveis paisagens

tantas fraudes

fraudas geriátricas e infantes palhaçadas

tantos fatos facilmente corroborados

mas de insistir no erro me via obrigado

tantos artefatos

e aquelas velhas piadas

que a gente só ri porque sabe onde vai dá

e a platéia ali esta porque quer se entusiasmar

o fastio da monotonia cansa e desilude

a minha vida que é apenas vazia

mas sorriso mesmo desiludido é melhor que o choro rude

seus crochés mal acabados

e suas doenças mal curadas

as velhinhas tão estúpidas

que nas suas velhas crenças roubam minha paciência

mas não quero parecer rude

entao sorrio complacente

mostro os amarelos dentes

e dentre essas tantas descobertas descritas em longos pergaminhos

tantos burburinhos

entre essas tantas velharias e bungigangas

havia curiosidades tantas

e tempo pra mim não havia

é que ja não me aguentava a anos

há tempos distração vinha procurando

qualquer coisa que me ecalentasse o peito


a vida pra mim se deu de modo contrário

de menino fui senhor triste a acabrunhado

de senhor maduro, sou menino desvairado

me perdi pelas paixões a que nao soube a nenhuma me ater

é que havia amores às tantas e

às tontas

por pessoa qualquer

que eu pensara ser amor de jeito,

sabe, "um amor de respeito"? Como diz o cabra matuto

Amor pra me acompanhar ao derradeiro leito

foi coisa que busquei na esteira da viagem

mas sem nunca me prender por inteiro

foi esse meu fácil seduzir-se

que me fazia assim

o coração senhor de mim

e menino de coração

que nunca soube a quantas despedidas estava predestinado esse coração

cedo descobri que não sabia o que fazer de mim

me pus a escrever

procurando salvação

busquei na poesia

essa solitária menina

à janela, triste e feia

e de investigar-lhe a natureza

vi a grande mentira que era

"só escreve quem vive ou quem à vida contempla e lapida"

matéria para escrever tem mesmo é o poeta que tem fome de vida

não escreve quem amou

ou quem viu amantes se enlaçarem na luz de uma candeia

escreve quem tem fome de amor

assim era eu

pedinte

doente

insone

faminto

perdido

que cobiço e imagino

a serenidade da saúde

a tosse antiga me perturba

o prazer insondável do sono

me incomoda a sensação de fartura

é na penumbra desse quarto

que anseio a liberdade

e lhe dou aquele vigor ao proclamá-la ainda que tarde

havia viagens

muitas paisagens

propostas insondáveis

e os desejos a trespassar o peito

mas entre tantos de amor-desejo

haveria o singular?

o que iria ficar?

a constância incansável?

o não fatigar no olhar...

haveria mesmo aquela a quem depois do sexo eu não iria querer pro outro lado virar?

mas o que o mundo moderno

pode entender das dores de um velho?

aqui dentro arde

e nao mais a tosse acostumada ao peito

a avisar meu fim suspeito

são as cólicas de uma vontade

ai o mundo moderno!...

e esse velho quase sem peito

a se queixar ao psicólogo

a pagar-lhe de consulta duas horas

e relatar os projetos que nunca deram certo

quanto mais eu vivo mais ultrapassado de mim me fico

que nem em mim me acho mais

é que pra esse navio não houve cais

nem mesmo alguém com quem fosse plena a conversa

vai haver sempre uma palavra,um novo eletrodoméstico e até um sentimento

que eu não conheço

que não entendo

é que o ouvido, esse amigo desatento

também foi ficando velho

acostumado aos vãos e a ouvir o silencio

é de tão antigos que os móveis da casa vao sendo substituidos

por uns ocos de madeira compensada

eu madeira de lei, me jogaram no canto embaixo da escada

empoeirado

e calado pra poder dormi sossegado

e nao incomodar com meu rude palavreado

às visitas que acabaram de chegar

menino, não te atormentes

que a explicação da vida nao se dá num dia

nem numa sala de aula vazia

nem muito menos na poesia

senta ai meu velho, que a fila dos remédios é também velha

e te faz ver que a vida não é assim tao breve

e o conforto da sala de espera é lêdo engano

pois ela está vazia

e so algumas revistas velhas não te acalentam a solidão que também é velha

as imagens coloridas e a sacadas dos jornalistas

a preencher espaços vazios

mas faz parte da decoração...as revistas, não o velho

Poeta, cala esse peito

nao há motivo pra tanto desassossego

tuas palavras não comovem as gentes

não desfazem enganos feitos

é nesse canto escuro junto ao piano

que levanta as asas mas não abana

isolado de tudo

nunca saberá o que é tocar o mundo

então fica com a palavra

essa mulher desvairada

que da vida não sabe nada

que tá na feira falando asneira

e pensa que é mulher sábia

Sobrou só o meu velho ato sondar o mundo

e os meus olhos perplexos, lembram deles?

Esses gatos lépidos a procura de um rolo de linha...frívolos

esse bichos em vidros histéreis

a roçar-se em minhas pernas

e a olhar tudo de olhos assustados..atentos

como se fosse a primeira vez

a prever alguma história, quem sabe mais bela.

26 de março de 2011

Fantasmagoria

Te busquei nos vãos dessa cidade morta
mas jamais tive coragem de bater à tua porta...
tu estavas lá
eu bem sabia, à minha espera
mas foi mais fácil transformar-te numa quimera...

o estremecimento era tanto,
quando defronte tua presença me alcançava
que de longe,
por mais distraído que estivesse e que estava
teus passos a mim te anunciavam
tal qual sino de igreja
chama os fieis a uma  prece
tal qual executivo às pressas
esquece papeis avulsos sobre a mesa
tal qual o vento perpetua uma vela acesa
eu, que de ti estava repleto
emudecia!
pois tua glacialidade
com poucas palavras
me aniquilava
como uma casa habitada por anos
hoje, vazia....
longe de ti, contudo, eu me sabia salvo
da desmesura da  paixão
porque tempo e tempo de ti exilado
me acalmaria o que um dia
foi arrebatamento e coração.

busquei em parentes distantes
em longas ausências
sentidas antes...
muito antes que tua chegada fosse pressentida
mas que me prepararam pela  recorrência do meu desejo
feito uma cena
mil vezes ensaiada
mas que só por ti
(atriz do meu louco mundo)
e assim sendo, desvairada
Só por ti (a cena)
cabia ser encenada

busquei em ti respostas de antigos questionamentos
como a humanidade, de Deus, se questiona a tanto tempo

respostas que confusas não sabiam se confirmar
(outras elaboradas, mas só palavras não sabiam se explicar)
e tive que romper com a bobagem de ter escrúpulos
com meus ideais de amor, que eram puros
eu por tantas, pra ti me fiz de surdo
é que tua imagem...ao contemplar-te
me dizia tudo
rudes perguntas!
sem respostas me afrontavam
mas se saiam da tua boca
feito do mar vem fácil a espuma
era o trabalhador que ao fim do dia
rompe fácil a desgastante labuta

a inclemência das horas
perfilava minha agonia
mas sentado ao sofá
eu brindava tua existência (que um dia)
enchera de vida outrora
essa sala, hoje, vazia

cansado do exaspero da sala
da euforia que me lembrava as festas
que tu alegremente fazias
como lembra o saudoso mar a recorrência de uma vaga
fui ao jardim
colher flores que reunissem  odor e beleza
mas a contradição da flor não a permite eterna
em sua efêmera natureza

(nem complacente)
num jarro sobre a mesa
aos que a desejam e tocam nela

é verdade que a torna mais bela
 ( em seu vigor)
a brevidade da flor
mas  inclemente a quem de contemplá-la
não se contente  

Saí ferido!
e a ninguém pude recorrer
as mãos sangradas por um espinho qualquer
que na minha pele se fez feroz
calmo,
consciente de seu poder
contudo atroz
e sob o sol eu dancei
atônito de tua luz
Meus passos
pareciam por ti guiados
impressão...eram canteiros
que estúpidos me guiavam pelo jardim dos pesadelos

voltei à casa, decidido a exorcizar-te
a recolher-me do cansaço do naufrágio...
e dos pedidos aos céus nunca alcançados
dos parentes que só sabem meus
porque os laços  de sangue os fazem reconhecer os  seus
das festas que à casa tu proporcionavas
eu poderia ter contigo dançado
e das manhãs em que regavas nosso jardim
eu poderia...
mas me contentava a admirar-te
tanto que não fiz
que te perdi...
o cansaço dos teus pedidos de vida já me cansavam
eu não poderia dar o que não tinha: vida!
coisa tão rara, que até hoje só achei em ti
a minha é hoje essa casa vazia
fui deus inclemente
não ouvi tua prece paciente
de surdo tão me fiz
que um dia quando quis ouvir-te
só me encontrava na casa vazia
da sacada
quase que ouvia tuas pisadas
os anos de convivência
encheram a mim e à casa de tua presença
só sei que te queria
não importando se sagrado ou sacrílego
ah, eu te sabia flor dos meus dias
mesmo, as mais agrestes...
quem desmereceu os ramos silvestres?
que ao contrario das flores de jardim
estão livres da peste
de natureza selvagem
a engendrar-se por bosques e campos
de vastos quilômetros
Tu foste assim
essa breve passagem
como uma brisa a tocar de leve
essa pele tão marcada
Ou uma lépida bailarina a dançar de uma ponta a outra da sala
leve mas marcante em seus passos ensaiados
Me permitiu voltar a ser criança
a ter os mesmos sentimentos que tive na infância
atento na tua dança

Tanto virei menino
Que meu relicário a ti
foi a primeira página do caderno
e um desenho bem bonito
a brindar tua existência tão bela
Algum moleque traquino
puxou o adesivo
e deixou o desenho desbotado no papel    
que descolado
seco
amareleceu
encarquilhou-se
E só sobrou eu.


"Sobre estar só, eu sei nos mares por onde andei."
*Dois barcos - Los Hermanos

20 de março de 2011

Há meros devaneios tolos a me torturar*



A noite caia violentamente sobre mim
como o piano clássico,
forte e imperioso demais
que não se entrega a qualquer músico afoito
por isso tantos anos inúteis de aula pra dominar o piano
me provaram que a prática não é tudo
a prática é uma forma rudimentar de estudo
é dominar a fórmula
sem conhecer o conteúdo     

[o violino, seu amigo mais tímido
também é safo pra se chegar a seu domínio]
as formas clássicas
são únicas
não há plágios convincentes nem antecessedores
como de Kafka não há precussores

A vida tão sincera
que me deixa a míngua dela
vai embora quando eu aprendo algumas regras
E eu esbanjar cultura e sabedoria...
De nada me valia
Se nada tiver vivido...
Se minha vida for vazia...
As coisas só ganham significado
à medida que são pressentidas e vividas
Como de um simples olhar
se chega a um amor
tão vasto como uma alegria

Mas as minhas águas
Ah, essas turvas águas!
Das quais eu jamais soube o destino
continuavam mornas ou paradas
No mar morto
coisa de medrosos navegantes
que não sabiam enfrentar o atlântico oceano

Eu era de séculos passados..só podia!
Quem sabe um arrogante senhor feudal
que pensava ser o mundo os seus domínios

Se os anjos por mim falassem
e mudassem minha natureza
quereria eu ser uma borboleta
não aquela enfiada no casulo
mas borboleta errante
não esse touro pesado
num canto emperrado
que só investe
sob certezas manifestas

eu amava a classe e a beleza das coisas
O amor para mim, por exemplo, só poderia existir sob extrema delicadeza
(Mas amar bonito eu não sabia
eram farpas ferozes a percorrer-me o corpo ao fim do dia)
Uma simples desatenção já me fazia infeliz

E eu que tanto afeto tinha...
chega escorria no meu sangue
sob o domínio do veneno
antigo em seu poder
se acaso surpreendesse a vista
um casal de namorados
no habitual enlace de braços
pobre casal...
no outro dia
fácil prever que separado estaria

A inveja de quem vivia
de quem não condenava seus impulsos
aos poucos me corroia
a minha natureza era aquela mesma
morna e da vida medrosa, arredia...

e assim eu ia nessa busca desiludida
de um amor que excedesse a vida
arrebatasse minha alma
mesmo que a rasgasse
mas a tirasse do exílio

Nada perdoa a minha face
das quedas que levei
das chuvas que apanhei
há as covas!
testemunhas contundentes dos meus fracassos mais conhecidos
assim como o piano clássico
não perdoa as costas do desatento carregador que o derruba desajeitadamente
e a todos do hall de entrada perturba
eu não me perdoava dos enganos cometidos nem mesmo das resuluçoes mais fúteis
Poucas vezes, contudo, essa brusquidão com as que as coisas se davam pela vida me perturbava.
Eu apenas contemplava aos que viviam e à vida se entregavam
e com ar de rainha!
Eu amava a vida rasa
mas admirava o ser profundo
mas eu não queria o poço escuro
Não para mim
que me conhecendo tanto...sabia
não me salvaria
Eu era o puro medo
de vivencias reais ou imaginárias
como os monstros que habitavam a mente ingênua de antigos navegadores
A imprecisão da vida me assustava
e como a lagartixa de alma rasa e olhos atentos
eu me satisfazia em me esgueirar pelos cantos mais escusos

Mas havia os ouvidos
essa outra forma atenta de ver o mundo
que ouviram tantas historias
e achava que por elas experiência adquirara
Assim como os pais que acham que por tolos conselhos
instruem aos filhos
esses ouvidos decoravam e usavam para eles
essas antigas historias

mas havia também o requinte, a beleza das coisas
“une belle chanson, Piaf, Aznavour, un café
um livro sobre a mesa
e eu sonhando que
um dia teria as aspirações que a vida vivia a me prometer

A bossa nova como minha velha amiga continuava a me dizer
embora eu nunca seguisse os seus conselhos
e o compositor continuasse na vitrola a dizer-me insistentemente que “essa vida só se dá pra quem se deu”
e eu que da vida nada sabia
senão ouvir suas canções

e invejar seus poetas
e rasgar meu coração somente pela dor alheia
mas digna
porque era dor vivida
a minha...
arremedo da dor alheia
todos todos iam passando
e eu so por lá ficando
uns já ficando velhos, outos casando, crianças aparecendo nos recém colos maternos e os seus traços iam dizendo as lutas das quais iam sobrevivendo
EU ME POUPAVA DA VIDA!
e o cachorro da esquina
me olhava com pena
eu parecia com ele em certa medida
mas muito menos livre é claro
eu me contentava a sentar à beira do rio

Eu não sabia viver da felicidade
Pois acredito que os momentos mais bonitos de nossas vidas são sempre carregados de tristeza.
como a flor que no auge de sua beleza
morre esplêndida
sem sentir da vida as primícias
nem do primeiro orvalho as carícias
Poderia eu mesmo sentar-me no leito desse rio
E contemplar comigo a saudade mais hostil
E suspirar como o enfermo que agoniza
E agrava a tosse ao fim do dia

as dores do corpo
sol, chuva
eu até vou levando bem
mas da alma...
é que não me ensinaram a ser assim: bravio!
E por isso mesmo...
só aprendi a escrever incoerências no vazio
só sabia me manter vivo através da dor
ser feliz eu não sabia...
nem mesmo fui menino
que minh’alma já nasceu velha
cansada dessa vida!

A mim, só cabia                         
da vida contemplar-lhe o percurso previsto 
e já é outro dia.
Mas isso já faz tanto tempo
nem sei se aquelas águas ainda são as mesmas

Vem, Vida minha
que eu te mostro o correr das horas
e ao mesmo tempo ser infinito
que minha alma está repleta
e é de sede de vida.


*chão de giz - idem. Essa musica me inspira

25 de fevereiro de 2011

"No mais, estou indo embora, baby"*



Eu sei que estou longe de tudo
Até do velho criado mudo
Que no meu quarto
Se faz de mobília por fora
Mas por dentro, agoniza e chora
E comigo, guarda e recorda
Os meus segredos mais sórdidos

Os outros vão...
vagam!
vagão
vago
Há vagas.
E ofertas de emprego por toda parte
Consulto o relógio
Disfarço as horas
E aqui di-vago
No eterno devagar dos tempos
Por onde pairam loucos pensamentos
Que pros outros, filtro, me mostro sóbrio
Mas por dentro caótico
Enquanto espero com acidez de um morcego
Que velhas cartas as traças roam

O passarinho canta lá fora
Uma só nota
E ainda pensa que é cantor
Sem saber onde pousar
De teimoso
Pouso sem direção
Na mais próxima janela
Que vejo como uma tela
Que me chama atenção
E aguardo ofegante o pôr do sol

Deixa que os outros vãos de mim se escondam
Que a viagem, amigo,
Dizem que é longa
E parece que eu tenho tempo    
De folga
De sobra
E ainda tem o happy houer
Pra curtir minhas senhoras
Jogar minhas lorotas
E mentir horas e horas
Que é direito do funcionário público
Da gravata afogar a gola

Dizem sim, que eu tenho tempo
Afinal, são duas horas de almoço...
E de na vida, fazer grandes descobertas
E de sobra,
Ainda rola o vento pela tarde mórbida
Comigo ele faz hora
Levanta as saias das senhoras
E faz redemoinho com meus importantes papeizinhos
Que afogueado, eu recolho

De resto, eu tenho um velho brinco
Sobre a mesa perdido
Cuja borboleta voou
E de enfeite pro meu dia,
Pra minha beleza vazia
Nada me restou

Afasta, passante...sai do meio, minha gente!
Deixa os outros passarem nessa nave
Que entre as nuvens,
Mesmo sendo leves
Há encruzilhadas perigosas 

Cuidado nessa esquina!
Que eu vi ali uma menina...
Que por uma bobagem se perdeu
E até as roupas esqueceu
Pensando que o corpo lhe daria tudo
Mas um corpo nu
Só fragiliza o que era teu

A viagem é pouco nobre
A classe econômica é dose
Não tem água, nem coca-cola
Não tem uísque, nem vodca
pra facilitar o percurso
E esquecer do jogo, as bolas fora

O vento brinca com meus cabelos
Assanha meus pensamentos
Vira uns de cabeça pra baixo
Põe uns em cima dos outros
e o aviãozinho, de teimoso, 
Contra o vento ainda voa

Ah, essa viagem num acaba nunca
Sempre insólita, rasa ou profunda
Faça sua escolha de classe agora
Que ela é tudo!
E define até mesmo seus possíveis encontros
Seus possíveis transtornos
E pelos vagões, os que vão em pé
Sempre vivem mais profundamente
Pois sabem, com a serenidade de quem curte longas viagens
O que é ter os pés no chão
Enquanto os que vão olhando pela janela
Apenas a vida contemplam:
São os poetas!

Os outros, por mais que me acompanhem por longas horas
Sempre hão de ser mais passageiros que eu...
Porque por mim passam
E eu continuo preso a mim
Que já tenho cansadas as mãos
De tanto adeus que já dei

Se há saudade de algo em toda viagem,
Não são das malas
Nem das paisagens
Dos filmes de retrato
Nunca por mim revelados
A saudade angustiada é de mim!
Que aos sessenta anos de idade é impossível sentir
O que aos seis anos senti

Mesmo o vento que batia em mim
Não era o mesmo desse glacial inverno
Muito menos o olhar atento

É importante que seja irremediável
Que entre tantos solitários viajantes
Cujas bagagens por vezes
Às minhas se misturavam
Eu só me encontre hoje com esse velho amigo constante