Aprendendo a ser

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Fá-lo-ei por eles e por outros que me confiaram as suas vidas, dizendo: toma, escreve, para que o vento não o apague.

20 de março de 2011

Há meros devaneios tolos a me torturar*



A noite caia violentamente sobre mim
como o piano clássico,
forte e imperioso demais
que não se entrega a qualquer músico afoito
por isso tantos anos inúteis de aula pra dominar o piano
me provaram que a prática não é tudo
a prática é uma forma rudimentar de estudo
é dominar a fórmula
sem conhecer o conteúdo     

[o violino, seu amigo mais tímido
também é safo pra se chegar a seu domínio]
as formas clássicas
são únicas
não há plágios convincentes nem antecessedores
como de Kafka não há precussores

A vida tão sincera
que me deixa a míngua dela
vai embora quando eu aprendo algumas regras
E eu esbanjar cultura e sabedoria...
De nada me valia
Se nada tiver vivido...
Se minha vida for vazia...
As coisas só ganham significado
à medida que são pressentidas e vividas
Como de um simples olhar
se chega a um amor
tão vasto como uma alegria

Mas as minhas águas
Ah, essas turvas águas!
Das quais eu jamais soube o destino
continuavam mornas ou paradas
No mar morto
coisa de medrosos navegantes
que não sabiam enfrentar o atlântico oceano

Eu era de séculos passados..só podia!
Quem sabe um arrogante senhor feudal
que pensava ser o mundo os seus domínios

Se os anjos por mim falassem
e mudassem minha natureza
quereria eu ser uma borboleta
não aquela enfiada no casulo
mas borboleta errante
não esse touro pesado
num canto emperrado
que só investe
sob certezas manifestas

eu amava a classe e a beleza das coisas
O amor para mim, por exemplo, só poderia existir sob extrema delicadeza
(Mas amar bonito eu não sabia
eram farpas ferozes a percorrer-me o corpo ao fim do dia)
Uma simples desatenção já me fazia infeliz

E eu que tanto afeto tinha...
chega escorria no meu sangue
sob o domínio do veneno
antigo em seu poder
se acaso surpreendesse a vista
um casal de namorados
no habitual enlace de braços
pobre casal...
no outro dia
fácil prever que separado estaria

A inveja de quem vivia
de quem não condenava seus impulsos
aos poucos me corroia
a minha natureza era aquela mesma
morna e da vida medrosa, arredia...

e assim eu ia nessa busca desiludida
de um amor que excedesse a vida
arrebatasse minha alma
mesmo que a rasgasse
mas a tirasse do exílio

Nada perdoa a minha face
das quedas que levei
das chuvas que apanhei
há as covas!
testemunhas contundentes dos meus fracassos mais conhecidos
assim como o piano clássico
não perdoa as costas do desatento carregador que o derruba desajeitadamente
e a todos do hall de entrada perturba
eu não me perdoava dos enganos cometidos nem mesmo das resuluçoes mais fúteis
Poucas vezes, contudo, essa brusquidão com as que as coisas se davam pela vida me perturbava.
Eu apenas contemplava aos que viviam e à vida se entregavam
e com ar de rainha!
Eu amava a vida rasa
mas admirava o ser profundo
mas eu não queria o poço escuro
Não para mim
que me conhecendo tanto...sabia
não me salvaria
Eu era o puro medo
de vivencias reais ou imaginárias
como os monstros que habitavam a mente ingênua de antigos navegadores
A imprecisão da vida me assustava
e como a lagartixa de alma rasa e olhos atentos
eu me satisfazia em me esgueirar pelos cantos mais escusos

Mas havia os ouvidos
essa outra forma atenta de ver o mundo
que ouviram tantas historias
e achava que por elas experiência adquirara
Assim como os pais que acham que por tolos conselhos
instruem aos filhos
esses ouvidos decoravam e usavam para eles
essas antigas historias

mas havia também o requinte, a beleza das coisas
“une belle chanson, Piaf, Aznavour, un café
um livro sobre a mesa
e eu sonhando que
um dia teria as aspirações que a vida vivia a me prometer

A bossa nova como minha velha amiga continuava a me dizer
embora eu nunca seguisse os seus conselhos
e o compositor continuasse na vitrola a dizer-me insistentemente que “essa vida só se dá pra quem se deu”
e eu que da vida nada sabia
senão ouvir suas canções

e invejar seus poetas
e rasgar meu coração somente pela dor alheia
mas digna
porque era dor vivida
a minha...
arremedo da dor alheia
todos todos iam passando
e eu so por lá ficando
uns já ficando velhos, outos casando, crianças aparecendo nos recém colos maternos e os seus traços iam dizendo as lutas das quais iam sobrevivendo
EU ME POUPAVA DA VIDA!
e o cachorro da esquina
me olhava com pena
eu parecia com ele em certa medida
mas muito menos livre é claro
eu me contentava a sentar à beira do rio

Eu não sabia viver da felicidade
Pois acredito que os momentos mais bonitos de nossas vidas são sempre carregados de tristeza.
como a flor que no auge de sua beleza
morre esplêndida
sem sentir da vida as primícias
nem do primeiro orvalho as carícias
Poderia eu mesmo sentar-me no leito desse rio
E contemplar comigo a saudade mais hostil
E suspirar como o enfermo que agoniza
E agrava a tosse ao fim do dia

as dores do corpo
sol, chuva
eu até vou levando bem
mas da alma...
é que não me ensinaram a ser assim: bravio!
E por isso mesmo...
só aprendi a escrever incoerências no vazio
só sabia me manter vivo através da dor
ser feliz eu não sabia...
nem mesmo fui menino
que minh’alma já nasceu velha
cansada dessa vida!

A mim, só cabia                         
da vida contemplar-lhe o percurso previsto 
e já é outro dia.
Mas isso já faz tanto tempo
nem sei se aquelas águas ainda são as mesmas

Vem, Vida minha
que eu te mostro o correr das horas
e ao mesmo tempo ser infinito
que minha alma está repleta
e é de sede de vida.


*chão de giz - idem. Essa musica me inspira

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