Aprendendo a ser

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Fá-lo-ei por eles e por outros que me confiaram as suas vidas, dizendo: toma, escreve, para que o vento não o apague.

26 de março de 2011

Fantasmagoria

Te busquei nos vãos dessa cidade morta
mas jamais tive coragem de bater à tua porta...
tu estavas lá
eu bem sabia, à minha espera
mas foi mais fácil transformar-te numa quimera...

o estremecimento era tanto,
quando defronte tua presença me alcançava
que de longe,
por mais distraído que estivesse e que estava
teus passos a mim te anunciavam
tal qual sino de igreja
chama os fieis a uma  prece
tal qual executivo às pressas
esquece papeis avulsos sobre a mesa
tal qual o vento perpetua uma vela acesa
eu, que de ti estava repleto
emudecia!
pois tua glacialidade
com poucas palavras
me aniquilava
como uma casa habitada por anos
hoje, vazia....
longe de ti, contudo, eu me sabia salvo
da desmesura da  paixão
porque tempo e tempo de ti exilado
me acalmaria o que um dia
foi arrebatamento e coração.

busquei em parentes distantes
em longas ausências
sentidas antes...
muito antes que tua chegada fosse pressentida
mas que me prepararam pela  recorrência do meu desejo
feito uma cena
mil vezes ensaiada
mas que só por ti
(atriz do meu louco mundo)
e assim sendo, desvairada
Só por ti (a cena)
cabia ser encenada

busquei em ti respostas de antigos questionamentos
como a humanidade, de Deus, se questiona a tanto tempo

respostas que confusas não sabiam se confirmar
(outras elaboradas, mas só palavras não sabiam se explicar)
e tive que romper com a bobagem de ter escrúpulos
com meus ideais de amor, que eram puros
eu por tantas, pra ti me fiz de surdo
é que tua imagem...ao contemplar-te
me dizia tudo
rudes perguntas!
sem respostas me afrontavam
mas se saiam da tua boca
feito do mar vem fácil a espuma
era o trabalhador que ao fim do dia
rompe fácil a desgastante labuta

a inclemência das horas
perfilava minha agonia
mas sentado ao sofá
eu brindava tua existência (que um dia)
enchera de vida outrora
essa sala, hoje, vazia

cansado do exaspero da sala
da euforia que me lembrava as festas
que tu alegremente fazias
como lembra o saudoso mar a recorrência de uma vaga
fui ao jardim
colher flores que reunissem  odor e beleza
mas a contradição da flor não a permite eterna
em sua efêmera natureza

(nem complacente)
num jarro sobre a mesa
aos que a desejam e tocam nela

é verdade que a torna mais bela
 ( em seu vigor)
a brevidade da flor
mas  inclemente a quem de contemplá-la
não se contente  

Saí ferido!
e a ninguém pude recorrer
as mãos sangradas por um espinho qualquer
que na minha pele se fez feroz
calmo,
consciente de seu poder
contudo atroz
e sob o sol eu dancei
atônito de tua luz
Meus passos
pareciam por ti guiados
impressão...eram canteiros
que estúpidos me guiavam pelo jardim dos pesadelos

voltei à casa, decidido a exorcizar-te
a recolher-me do cansaço do naufrágio...
e dos pedidos aos céus nunca alcançados
dos parentes que só sabem meus
porque os laços  de sangue os fazem reconhecer os  seus
das festas que à casa tu proporcionavas
eu poderia ter contigo dançado
e das manhãs em que regavas nosso jardim
eu poderia...
mas me contentava a admirar-te
tanto que não fiz
que te perdi...
o cansaço dos teus pedidos de vida já me cansavam
eu não poderia dar o que não tinha: vida!
coisa tão rara, que até hoje só achei em ti
a minha é hoje essa casa vazia
fui deus inclemente
não ouvi tua prece paciente
de surdo tão me fiz
que um dia quando quis ouvir-te
só me encontrava na casa vazia
da sacada
quase que ouvia tuas pisadas
os anos de convivência
encheram a mim e à casa de tua presença
só sei que te queria
não importando se sagrado ou sacrílego
ah, eu te sabia flor dos meus dias
mesmo, as mais agrestes...
quem desmereceu os ramos silvestres?
que ao contrario das flores de jardim
estão livres da peste
de natureza selvagem
a engendrar-se por bosques e campos
de vastos quilômetros
Tu foste assim
essa breve passagem
como uma brisa a tocar de leve
essa pele tão marcada
Ou uma lépida bailarina a dançar de uma ponta a outra da sala
leve mas marcante em seus passos ensaiados
Me permitiu voltar a ser criança
a ter os mesmos sentimentos que tive na infância
atento na tua dança

Tanto virei menino
Que meu relicário a ti
foi a primeira página do caderno
e um desenho bem bonito
a brindar tua existência tão bela
Algum moleque traquino
puxou o adesivo
e deixou o desenho desbotado no papel    
que descolado
seco
amareleceu
encarquilhou-se
E só sobrou eu.


"Sobre estar só, eu sei nos mares por onde andei."
*Dois barcos - Los Hermanos

20 de março de 2011

Há meros devaneios tolos a me torturar*



A noite caia violentamente sobre mim
como o piano clássico,
forte e imperioso demais
que não se entrega a qualquer músico afoito
por isso tantos anos inúteis de aula pra dominar o piano
me provaram que a prática não é tudo
a prática é uma forma rudimentar de estudo
é dominar a fórmula
sem conhecer o conteúdo     

[o violino, seu amigo mais tímido
também é safo pra se chegar a seu domínio]
as formas clássicas
são únicas
não há plágios convincentes nem antecessedores
como de Kafka não há precussores

A vida tão sincera
que me deixa a míngua dela
vai embora quando eu aprendo algumas regras
E eu esbanjar cultura e sabedoria...
De nada me valia
Se nada tiver vivido...
Se minha vida for vazia...
As coisas só ganham significado
à medida que são pressentidas e vividas
Como de um simples olhar
se chega a um amor
tão vasto como uma alegria

Mas as minhas águas
Ah, essas turvas águas!
Das quais eu jamais soube o destino
continuavam mornas ou paradas
No mar morto
coisa de medrosos navegantes
que não sabiam enfrentar o atlântico oceano

Eu era de séculos passados..só podia!
Quem sabe um arrogante senhor feudal
que pensava ser o mundo os seus domínios

Se os anjos por mim falassem
e mudassem minha natureza
quereria eu ser uma borboleta
não aquela enfiada no casulo
mas borboleta errante
não esse touro pesado
num canto emperrado
que só investe
sob certezas manifestas

eu amava a classe e a beleza das coisas
O amor para mim, por exemplo, só poderia existir sob extrema delicadeza
(Mas amar bonito eu não sabia
eram farpas ferozes a percorrer-me o corpo ao fim do dia)
Uma simples desatenção já me fazia infeliz

E eu que tanto afeto tinha...
chega escorria no meu sangue
sob o domínio do veneno
antigo em seu poder
se acaso surpreendesse a vista
um casal de namorados
no habitual enlace de braços
pobre casal...
no outro dia
fácil prever que separado estaria

A inveja de quem vivia
de quem não condenava seus impulsos
aos poucos me corroia
a minha natureza era aquela mesma
morna e da vida medrosa, arredia...

e assim eu ia nessa busca desiludida
de um amor que excedesse a vida
arrebatasse minha alma
mesmo que a rasgasse
mas a tirasse do exílio

Nada perdoa a minha face
das quedas que levei
das chuvas que apanhei
há as covas!
testemunhas contundentes dos meus fracassos mais conhecidos
assim como o piano clássico
não perdoa as costas do desatento carregador que o derruba desajeitadamente
e a todos do hall de entrada perturba
eu não me perdoava dos enganos cometidos nem mesmo das resuluçoes mais fúteis
Poucas vezes, contudo, essa brusquidão com as que as coisas se davam pela vida me perturbava.
Eu apenas contemplava aos que viviam e à vida se entregavam
e com ar de rainha!
Eu amava a vida rasa
mas admirava o ser profundo
mas eu não queria o poço escuro
Não para mim
que me conhecendo tanto...sabia
não me salvaria
Eu era o puro medo
de vivencias reais ou imaginárias
como os monstros que habitavam a mente ingênua de antigos navegadores
A imprecisão da vida me assustava
e como a lagartixa de alma rasa e olhos atentos
eu me satisfazia em me esgueirar pelos cantos mais escusos

Mas havia os ouvidos
essa outra forma atenta de ver o mundo
que ouviram tantas historias
e achava que por elas experiência adquirara
Assim como os pais que acham que por tolos conselhos
instruem aos filhos
esses ouvidos decoravam e usavam para eles
essas antigas historias

mas havia também o requinte, a beleza das coisas
“une belle chanson, Piaf, Aznavour, un café
um livro sobre a mesa
e eu sonhando que
um dia teria as aspirações que a vida vivia a me prometer

A bossa nova como minha velha amiga continuava a me dizer
embora eu nunca seguisse os seus conselhos
e o compositor continuasse na vitrola a dizer-me insistentemente que “essa vida só se dá pra quem se deu”
e eu que da vida nada sabia
senão ouvir suas canções

e invejar seus poetas
e rasgar meu coração somente pela dor alheia
mas digna
porque era dor vivida
a minha...
arremedo da dor alheia
todos todos iam passando
e eu so por lá ficando
uns já ficando velhos, outos casando, crianças aparecendo nos recém colos maternos e os seus traços iam dizendo as lutas das quais iam sobrevivendo
EU ME POUPAVA DA VIDA!
e o cachorro da esquina
me olhava com pena
eu parecia com ele em certa medida
mas muito menos livre é claro
eu me contentava a sentar à beira do rio

Eu não sabia viver da felicidade
Pois acredito que os momentos mais bonitos de nossas vidas são sempre carregados de tristeza.
como a flor que no auge de sua beleza
morre esplêndida
sem sentir da vida as primícias
nem do primeiro orvalho as carícias
Poderia eu mesmo sentar-me no leito desse rio
E contemplar comigo a saudade mais hostil
E suspirar como o enfermo que agoniza
E agrava a tosse ao fim do dia

as dores do corpo
sol, chuva
eu até vou levando bem
mas da alma...
é que não me ensinaram a ser assim: bravio!
E por isso mesmo...
só aprendi a escrever incoerências no vazio
só sabia me manter vivo através da dor
ser feliz eu não sabia...
nem mesmo fui menino
que minh’alma já nasceu velha
cansada dessa vida!

A mim, só cabia                         
da vida contemplar-lhe o percurso previsto 
e já é outro dia.
Mas isso já faz tanto tempo
nem sei se aquelas águas ainda são as mesmas

Vem, Vida minha
que eu te mostro o correr das horas
e ao mesmo tempo ser infinito
que minha alma está repleta
e é de sede de vida.


*chão de giz - idem. Essa musica me inspira