Bom mesmo é esquecer, para quando for madura, lembrar.
E eu preciso abandonar antes que se deflagre abruptamente nosso próprio abandono e eu me surpreenda atônita com a brusquidão com que as separações se dão nos tempos modernos, ao contrário dos meus avós, que juntos, mesmo com certo íncomodo, talvez o da total certeza de que nunca desvencilhariam aquelas mãos, às vezes se auto acusavam, mas que não excediam mais que uma resposta impaciente a velhas questões que não levariam à cabo, que levariam ao túmulo com alguma irreverência.
Eu preciso me afastar disso que tanto me atrai. Há literaturas que viciam e eu não posso me sujeitar a tal prisão, preciso ver se não é somente uma lei da Física que atua sobre nossos corpos, preciso ver se sou mesmo merecedora de tal grandeza, que é a de amar um objeto que seja, uma ideia, um animal, uma pessoa, ou até mesmo uma entendidade espiritual, ou o universo.
A leitura é uma conversa estranha, na qual eu só escuto a minha voz.
De palavras que eu não sabia dizer, mas que eu digo a mim fluentemente e reflito surpreendida pelo tamanho significado que isso tomou na minha vida. E a leitura de Literatura então...é a dança de uma infinita descoberta, como se os pés não soubessem onde vão pisar, mas ainda sim ousassem. É como se houvessem precípicios entre meus passos, mas havia confiança de que a palavra não iria me decepcionar, que meus passos seriam confortados pela certeza do chão (dos mais íngrimes aos mais delicados).
Eu dançava de par com alguém, os mais desconhecidamente lindos movimentos e precipitava meu corpo sobre meu par com graça quando ele me acariciava e ficava em assombro quando ele tocava meu corpo onde eu não permitia. O susto da arte provocadora, inquietante, que só entenderá quem um dia se defrontou com um quadro e não o compreendeu. O desencontro de dois mundos incomunicáveis...até buscou, mas desistiu.
E ao mesmo tempo em que aquele ato solitário me dava prazer, dançar comigo mesma e
com outro desconhecido. O fantasma que me falava aos ouvidos as mais estonteantes palavras, também me assustava a tamanha intensidade do que eu era capaz de dizer e fazer com aqueles ditos e entreditos.
Por que você deixou espaço para que eu deduzisse tantas coisas, meu amado livro?
Por que você instigou meus ouvidos com promessas de mundos que nunca me apresentaria?
Há frustração também em cada leitura...
Eu era aquela personagem dos contos de fada que dança desenvolta, alegre e completamente envolvida por um partner elegante, confiável, de braços fortes e, por vezes, eu acordava solitária com as mãos no ar, me sentindo ridícula e decepcionada pela precariedade de alguns encontros, mas tendo o consolo de que ninguém havia presenciado a minha entrega e o posterior abandono a que meu corpo fora jogado com total descaso para o nada, pois a Literatura é capaz de levantar as mais intrigantes questões, quase lhe dar a resposta e escapar.
Bom é estar esquecido daquele livro que eu tanto idolatrei na adolescência, na faculdade, tietei, busquei mil referências, citei para exibir melhor minha devoção que era quase física, pois eu andava com ele grudado ao meu corpo para cima e para baixo. Orgulhava-me dele como filho meu, ou amigo íntimo, coloquei palavras e trechos inteiros dele bem no fundo da minha mente, que de tanto ler e reler as maravilhosas palavras, quando surgia a cena apropriada, cujo texto se encaixava, lá estava eu recorrendo ao meu "guru", ao meu oráculo literário...mas veja só a fatalidade...
Eis que um dia, sem mais porquês, eu me enfadei dele, cansei simplesmente e aquelas palavas mágicas já não chegavam ao meu íntimo como antes, ou "ele" cansou de mim ou simplesmente compreendeu que cumpriu com êxito a função a que se propôs na minha vida.
Bem, nos afastamos, pois não fomos feitos para ser exclusivos e estávamos exaustos das palavras que já nao confortavam, mas por vezes sufocam.
E assim, exauridos um do outro pela palavra que, de mágica, se tornou repetitiva aos meus ouvidos e à minha boca, que cansados de proferi-la, queriam agora o silêncio, a distância física, pois havia um despertencimento iminente, era o medo da decepção anunciada pelas incalculáveis repetições veementes e vazias, e cruas e curtas, pois esse é o fim do dito, redito, mas não vivido. A alma, essa colorida tela, precisa de alívio, de algumas boas certezas e algumas, mas somente algumas pequenas dúvidas para se inquietar e buscar e avançar.
Grandes mistérios...do que me servem? Ficam perdidos no fundo do mar. Não é a toa que tesouros foram perdidos e nunca usufruidos. Eu não quero um ouro anunciado à minha vista e que eu não possa tocá-lo. Eu acredito no que não vejo, mas não acredito no que não me é permitido. Eu só preciso de pequenos e possíveis misteríos, pois minha alma é infantil, e ela também é mistério para mim.
Eu me contento em amar.
Eu não preciso de grandes e prolongados jogos de sedução para saber o que quero. Às vezes uma pequena frase proferida de tal modo me faz interessar por um livro. Não, eu não preciso de grandes provas para ter meu escolhido.
Eu preciso de um amor que muitas e muitas vezes esteja na minha mão, para que eu possa afagá-lo como afago a cabeça de um cão criado no meu lar, com que passeio despreocupado, sabendo que ele não vai se esquivar, pois a confiança nos permitiu o bom trato e a segurança como a da criança que segura a mão da mãe ao atravessar a rua sem se sequer se questionar.
Todo amor, é claro, precisa de algumas pequenas instruções, mas a mãe é boa e ama e explica. Não fica numa dúvida insana se leva o filho ou não pela mão.
A literatura precisa ser incorporada, vivenciada, absorvida, senão não passará de história mal contada, ouvida apenas como murmúrios, ecos distantes, ruídos incompreensíveis e a a gente fecha o livro porque é melhor a distância que uma falsa proximidade.
Tempos depois, reencontrei-me novamente com meu livro e tivemos o que dizer novamente um ao outro renovados, melhores, menos inseguros.
Assim, aconteceu a poucos instantes comigo e algo que por mim passou, talvez um livro que eu já tenha lido, assim há de acontecer com os que são verdadeiramente amantes, ou amigos, não possiveis-paixões-desconhecidas.
Imagem do filme O Leitor |
E eu preciso abandonar antes que se deflagre abruptamente nosso próprio abandono e eu me surpreenda atônita com a brusquidão com que as separações se dão nos tempos modernos, ao contrário dos meus avós, que juntos, mesmo com certo íncomodo, talvez o da total certeza de que nunca desvencilhariam aquelas mãos, às vezes se auto acusavam, mas que não excediam mais que uma resposta impaciente a velhas questões que não levariam à cabo, que levariam ao túmulo com alguma irreverência.
Eu preciso me afastar disso que tanto me atrai. Há literaturas que viciam e eu não posso me sujeitar a tal prisão, preciso ver se não é somente uma lei da Física que atua sobre nossos corpos, preciso ver se sou mesmo merecedora de tal grandeza, que é a de amar um objeto que seja, uma ideia, um animal, uma pessoa, ou até mesmo uma entendidade espiritual, ou o universo.
A leitura é uma conversa estranha, na qual eu só escuto a minha voz.
De palavras que eu não sabia dizer, mas que eu digo a mim fluentemente e reflito surpreendida pelo tamanho significado que isso tomou na minha vida. E a leitura de Literatura então...é a dança de uma infinita descoberta, como se os pés não soubessem onde vão pisar, mas ainda sim ousassem. É como se houvessem precípicios entre meus passos, mas havia confiança de que a palavra não iria me decepcionar, que meus passos seriam confortados pela certeza do chão (dos mais íngrimes aos mais delicados).
Eu dançava de par com alguém, os mais desconhecidamente lindos movimentos e precipitava meu corpo sobre meu par com graça quando ele me acariciava e ficava em assombro quando ele tocava meu corpo onde eu não permitia. O susto da arte provocadora, inquietante, que só entenderá quem um dia se defrontou com um quadro e não o compreendeu. O desencontro de dois mundos incomunicáveis...até buscou, mas desistiu.
E ao mesmo tempo em que aquele ato solitário me dava prazer, dançar comigo mesma e
com outro desconhecido. O fantasma que me falava aos ouvidos as mais estonteantes palavras, também me assustava a tamanha intensidade do que eu era capaz de dizer e fazer com aqueles ditos e entreditos.
Por que você deixou espaço para que eu deduzisse tantas coisas, meu amado livro?
Por que você instigou meus ouvidos com promessas de mundos que nunca me apresentaria?
Há frustração também em cada leitura...
Eu era aquela personagem dos contos de fada que dança desenvolta, alegre e completamente envolvida por um partner elegante, confiável, de braços fortes e, por vezes, eu acordava solitária com as mãos no ar, me sentindo ridícula e decepcionada pela precariedade de alguns encontros, mas tendo o consolo de que ninguém havia presenciado a minha entrega e o posterior abandono a que meu corpo fora jogado com total descaso para o nada, pois a Literatura é capaz de levantar as mais intrigantes questões, quase lhe dar a resposta e escapar.
Bom é estar esquecido daquele livro que eu tanto idolatrei na adolescência, na faculdade, tietei, busquei mil referências, citei para exibir melhor minha devoção que era quase física, pois eu andava com ele grudado ao meu corpo para cima e para baixo. Orgulhava-me dele como filho meu, ou amigo íntimo, coloquei palavras e trechos inteiros dele bem no fundo da minha mente, que de tanto ler e reler as maravilhosas palavras, quando surgia a cena apropriada, cujo texto se encaixava, lá estava eu recorrendo ao meu "guru", ao meu oráculo literário...mas veja só a fatalidade...
Eis que um dia, sem mais porquês, eu me enfadei dele, cansei simplesmente e aquelas palavas mágicas já não chegavam ao meu íntimo como antes, ou "ele" cansou de mim ou simplesmente compreendeu que cumpriu com êxito a função a que se propôs na minha vida.
Bem, nos afastamos, pois não fomos feitos para ser exclusivos e estávamos exaustos das palavras que já nao confortavam, mas por vezes sufocam.
E assim, exauridos um do outro pela palavra que, de mágica, se tornou repetitiva aos meus ouvidos e à minha boca, que cansados de proferi-la, queriam agora o silêncio, a distância física, pois havia um despertencimento iminente, era o medo da decepção anunciada pelas incalculáveis repetições veementes e vazias, e cruas e curtas, pois esse é o fim do dito, redito, mas não vivido. A alma, essa colorida tela, precisa de alívio, de algumas boas certezas e algumas, mas somente algumas pequenas dúvidas para se inquietar e buscar e avançar.
Grandes mistérios...do que me servem? Ficam perdidos no fundo do mar. Não é a toa que tesouros foram perdidos e nunca usufruidos. Eu não quero um ouro anunciado à minha vista e que eu não possa tocá-lo. Eu acredito no que não vejo, mas não acredito no que não me é permitido. Eu só preciso de pequenos e possíveis misteríos, pois minha alma é infantil, e ela também é mistério para mim.
Eu me contento em amar.
Eu não preciso de grandes e prolongados jogos de sedução para saber o que quero. Às vezes uma pequena frase proferida de tal modo me faz interessar por um livro. Não, eu não preciso de grandes provas para ter meu escolhido.
Eu preciso de um amor que muitas e muitas vezes esteja na minha mão, para que eu possa afagá-lo como afago a cabeça de um cão criado no meu lar, com que passeio despreocupado, sabendo que ele não vai se esquivar, pois a confiança nos permitiu o bom trato e a segurança como a da criança que segura a mão da mãe ao atravessar a rua sem se sequer se questionar.
Todo amor, é claro, precisa de algumas pequenas instruções, mas a mãe é boa e ama e explica. Não fica numa dúvida insana se leva o filho ou não pela mão.
A literatura precisa ser incorporada, vivenciada, absorvida, senão não passará de história mal contada, ouvida apenas como murmúrios, ecos distantes, ruídos incompreensíveis e a a gente fecha o livro porque é melhor a distância que uma falsa proximidade.
Tempos depois, reencontrei-me novamente com meu livro e tivemos o que dizer novamente um ao outro renovados, melhores, menos inseguros.
Assim, aconteceu a poucos instantes comigo e algo que por mim passou, talvez um livro que eu já tenha lido, assim há de acontecer com os que são verdadeiramente amantes, ou amigos, não possiveis-paixões-desconhecidas.
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