Aprendendo a ser

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Fá-lo-ei por eles e por outros que me confiaram as suas vidas, dizendo: toma, escreve, para que o vento não o apague.

4 de outubro de 2012

Pobre poema de um homem urbano

Quando eu era menino
Todos me achavam louco
De mil peripécias
De muitas pilheras
De muitas mulheres
De tiradas rápidas
De conversa fácil
Agradava a gregos e a troianos também
E no deboche das horas
Era feliz
E ria

Hoje, homem sóbrio,
Presumido sob o terno
Armani
Reduzido ao desconforto das relações pobres
Dos laços frouxos
Agrado aos espartanos, esses sábios lacônicos
Mil bolsos me atrapalham os planos
Os movimentos loucos, que contidos me prendem os instintos
De que preciso para ser um pouco
Humano!
Sapatos afogam meus inquietos pés
Que querem correr
Mas abafados, apenas suportam.
O corpo sem sol
Descolorido
A cabeça quente
Me atrapalha ter ideias veementes
As mulheres...as que passam na outra esquina
Que lindas!
Não dá tempo pra papo decente
Dá tempo somente pra convite de hora de almoço
Conversa rápida e motel barato com direito a troco
E elas sorriem, sim, pros meus bolsos
E que fascínio presente nos seus rostos

Os gases de pânico se impregnam  ao meu rosto, que rijo,
Já não faz piadas interessantes
E o carro que dirijo não sei pra onde, que destino!
Me desatino, me desfaço no sinal vermelho
A alma que, marcada, já não tece a mesma prece
A noite, calada, nem dorme de tão preocupada
Os ratos de esgoto
Esses sim passam pelo mundo cientes de si
Da pobre existência em que se encontram
Que lhes dá resistências aos venenos urbanos
Mas eu tenho um coração inquieto
Que bate dentro do terno
Essa armadura que me sufoca e me aperta
A gravata conta uma piada
E voa como se quisesse fugir da roupa

O sapato precisa ser engraxado
E ali sentado na cadeira enquanto outro homem ou menino
Pinta o que a sujeira do mundo descoloriu
E ali sentado na cadeira de ferro
Sou mesmo eu
E sou também outro.

16 de setembro de 2012

Ambivalência de uma natureza



Cortei as unhas
Não quero ferir a ninguém
Nem a mim
Ainda posso senti-las armadas
Mas não posso a ninguém deflagrá-las
Quando ameaçado
O felino expõe as garras
Mas logo esquece
Se por nobre motivo

Ainda lateja uma vontade, um instinto
Mas apascento, finjo que esqueço
Deito o pêlo
É que minha natureza sonolenta...
A minha natureza é dócil
Cede à mais sutil carícia

Podem chamar-me leviano
insensato
Mas todo gato só quer comida e afago

Peço pouco pra ser feliz
Mas de aconchego do meu amante
Não dispenso nenhum triz

Não me julgue de natureza fraca, caro amigo
Meus anseios são veementes, por vezes aterradores
Destroem meus encantos
E até promessas de bem sucedidos amores

Mas meu sono, minha paciência
Tem me salvo de maiores turbulências
Não sou fraco, mas também faço pinta de durão
Brinco, me divirto, destruo seu estofado,
Desfaço rolo de linha e deixo tudo enlinhado
Mas o fato é que todo mundo adora um belo gato

14 de setembro de 2012

A precariedade do ser diante do Amor





Um texto que saiu agora pela precariedade e pequenez nossa diante dessa grandeza que é o amor. é abrupto, não revisado, mas taí.

Eu já conheço esse sentimento, tão tortuoso em seus caminhos que me quebra de novo quando estou quase me reconstituindo.

Não que haja grande novidade na dor, quando ja se sangrou por ela, quando ja se morreu nela, quando se ressurgiu pelo fim quase inesperado dela.

Acho massante depositar no papel branco, no papel limpo uma velha história,
de personagens que por tanto se perderem em outras viagens,
acabam se encontrando vez por outra
e como que fascinados um pelo outro (novamente) que sempre foram,
como se a vista desse pela primeira vez com incrível aparição, com imagem de beleza e, estonteados de novo, se enamorassem, mas já velhos se olham reconhecidos que são e nunca vão até o fim.

Uma dor repetida,
coisa que um papel em branco merecia uma novidade bonita,
nem que seja na dor,
uma pontadinha mais forte que fosse pra sangrar de vez,
pra fazer alguma coisa acontecer.

Se eu fosse ao menos cronista poderia contentar-me por falar de uma dor que caminha comigo pela dificuldade de expressão, pela falta de assunto, essas trivialidades com que um cronista tão bem se satisfaz, mas há um derramamento em mim que não se completa, há tristeza em um caminho de águas onde se inicia um fluxo que cessa ao sinal da primeira correnteza e toda noite a mesma dor, a da incerteza, a do amor que não é posto à mesa com direito a talher bom, a sorrisos e sobremesas, mas a conta-gota e como isso é cansativo, minha dor.

É tortura chinesa!

É prato frio que se queria quente e que até conserva sabor, certa beleza, na forma como se apresenta, na sua essência, é porque o que tem gosto bom não se perde à toa, nem mesmo pela frieza e esquecimento, mas prato frio é coisa, senhor, de quem já quase que ía embora porque apareceu coisa melhor, mais urgente. Tinha pressa e ali ficou, pro lixo esquecido, pro gato da vizinha mastigar essa dor.

É o quase sobressalto.

É a espera e seu amigo cansaço.

É eu vivendo uma história que ja conheço o final de cor e salteado.

É você me pegar de assalto e no horror do susto me prometer amor!

Não havia outros agrados, ou especiarias da suas Índias tão prometidas! Eram terras que eu nunca soube acompanhar os ventos, que me ludibriavam pelo cansaço de miragens. E eu que de ti estava faminto, acreditava.

Eram águas de tormentas, águas turvas que nem as longas ausências apascentam,

Que apesar de vultosas e bonitas, nunca me trouxeram lá grandes contentamentos (não por muito tempo).

À longo prazo, como de validade tivessem, logo venciam.

Eram aves emplumadas que, na pele, escalpeladas me dóiam, mesmo sendo véspera da tua chegada.

Estava ali o passado e o porvir. E o que eu diria num confronto tão sincero?

Nem houvera grandes feitos na nossa sempre breve existência, então eu concluia quase que certo, era tão pobre nosso amor, dedução óbvia, de tão doída, tornara-se como que indolor, já que nunca houvera tempo para grande idílio, por que insistir?

Ou se havia circunstâncias maiores, fatos que eu desconhecia, se era grande o amor que tu me prometias, porque nunca saira daquele estado?

29 de agosto de 2012

Que seja o esquecimento a vivência desse amor





Hoje é esquecer


e amanhã, por ter menos ainda aberta a porta

em seguida fechada de forma bruta

de que adianta tantas palavras ao pé do ouvido, mexer com meus sentidos

se não há perdão para o nunca?



dizer que nao vou esquecer a chave, esqueço

o coração, esse órgão selvagem, nao se insere no não,

suas batidas e contrações só pedem vida

e onde esta habita...

ah, não há palavra por louca que seja, que explique



o movimento,

a sua repetição,

o transladar dos tempos,

o perder da afeição

a vontade de apagar, cura!

até a mais doce agrura que vivi nas tuas mãos

encantadoras

esse sopro que não cansa de passar nas minhas relvas

e tua selva...

que perigo da minha pele exposta à tuas aves de voos rasantes

de leões famintos por minhas palavras cativantes



apagado de borracha que sempre fui de ti, sei que fica rasura

da memória,

do que foi,

do escuro,

que eu te encontrei em luz repentina

de entontecer-me a vista

corpo e mente já nao eram eloquentes,

pois se tratava de ti...

e antes de ti nunca foram tão veementes



meus dias que antes de ti, serenizados eram, pois não havia a paixao à flor da pele

pela flor eu me encantei, efêmera que era

e a pele da flor, logo desmaiou ao primeiro sol que apanhou, por fraqueza dela



natureza igual a dela,

flor contida

encarquilhou-se na primeira página do caderno

mas a lembrança da entrega...essa ficou!


esquecer, esquecer, esquecer. Não há mistério.

a consciência pesa e o dia me emprega

a vida é prática e se nega a parar

mesmo a noite não sossega

é nos nervos da noite mal dormida que o corpo renega o fim,

o absurdo de mim sem teu contato de pele

a mente não descansa a busca que por ti se fez constante



um outro dia,

e já sem agonia, eu me aquieto,

eu me sucumbo ao sol do meio dia

e não há nada mais sincero do que mais te aterroriza

e diz que a vida pede suor

nao só o da paixão na cama

mas do ritmo da vida

que se nega manter o luto

Já não há dor em palavras derradeiras...

No que foi cruamente perdido.



comprei muitos livros

temas novos

autores nunca lidos

renovar ideias

sentimentos

desenhar palavras novas

no que dentro foi perdido

um livro teu, que nao te vi para entregar

e o que com ele eu poderia ter feito senão guardar?

num canto de estante bem escondido

nem vista, nem foco de luz

é isso que há se fazer com os amores nao dignamente vividos




Sob a inspiração da música Rasura, de Oswaldo Montenegro.

29 de julho de 2012

Sem recorrer, experiências que foram intensamente vividas, voltam

"E quantas vezes, amor já te esqueci, para mais doidamente me lembrar, mais doidamente lembrar de ti, e quem me dera fosse sempre assim, quanto menos quisesse recordar, mais a saudade andasse presa a mim"


Florbela Espanca


Agora que já passou, vem-me com mais clareza, quase de forma jornalística de tão imediata, pois não há um turbilhão de sentimentos que se embaralhe com as palavras e as faça vacilar dentro de mim. Pelo contrário, as palavras vêm fácil, quase que ressequidas pelo tempo, pelo amadurecimento ou desfeito do sentimento.
E é bom contar uma história limpa, mesmo que ela não emocione quem a escuta, (e desde quando é preciso emocionar como prova da verdade?) torna-se necessário o relato dessa experiência, que já começa a me inquietar, mesmo que de forma inofensiva, por superficial curiosidade.

O não vivido estará morto? E o que foi vivido, como está? E o que se vive, não está na iminência da morte?

O tempo é uma violência, mesmo à mais fabulosa experiência. Torna tudo pequeno e os mais sublimes significados são perdidos. Não há prisão que impeça a renovação de um fluido que me trespassa constantemente o corpo.

A única forma de apreender o que vivi, por mais frágil que seja, é por meio do registro, que a minha rica experiência já habita em um mundo em que eu fecho os olhos para ver se a reencontro.

Vamos ver até que ponto eu me desvencilhei ou não do meu caso...

A essa altura, eu usava uma indumentária bizarra chamada farda escolar e passava pela rua do colégio quase que percebendo um jovem que se trajava da mesma forma. Ele usava óculos de grau, um objeto que nunca estivera nos meus olhos e ele era alto, aspecto com qual o meu corpo não contava, ou seja, ele era mais um estranho que habitava um universo bem distinto do meu, já que eu estava desprovida de óculos e de altura, mas andava pelos mesmos caminhos que ele. A inevitabilidade do encontro...

Eu não devia colocar tantas espectativas no leitor, mas desculpem-me ser uma narradora leviana.
Li muitos autores crueis e vou colocá-los diante de um anticlímax para fazê-los tão infelizes quanto eu nessa história.

Há uma lacuna aqui que outro texto poderá preencher mais adiante, já que nesse momento, a parte romântica da história não me é mais interessante, assim, posso resumi-la em três frases:

Fomos colocados na mesma sala de aula, no 3º ano do ensino médio, em que nos simpatizamos e nos tornamos bons amigos.

Flertávamos, sorríamos e tínhamos um carinho de muitos abraços e de poucas palavras.

Ele escolheu outra menina e com ela ficou. (por algum tempo)

É, as duas primeiras proposições são incoerentes com a terceira. É a vida e suas surpresas.
E eu contava com uma rotina diária no colégio, que terceiro ano não brinca, com os vãos da escada, com aparições inapropriadas deles de mãos dadas, com uma amiga confidente e a minha angústia diária.

Não fosse o apelo insistente e quase vulgar com que a outra jovem contou, e ele não fosse bobo, ah, os garotos são muito bobos, teríamos tido nossa chance. Confesso que fui fraca, não sou boa competidora quando se trata de triangulos amorosos e com 17 anos, eu não contava com grandes armas de sedução. A paixão me recolheu e eu fiquei num canto da sala, olhando eles dois juntos até o fim do ano.

Superei o fato, não sem alguma dificuldade, é claro, mas vivi outras experiências e já era uma aluna universitária e bem...na universidade...

Fato que não voltaria, fiz questão de esquecer aquelas lembranças constrangedoras do ensino médio, tão trágicas nessa idade e hoje, veja só...

Não fossem as infames redes sociais...

Se eu tivesse nascido na Idade Média pelo menos, estaria protegida pelas muralhas fortificadas do meu feudo e livre de invasões tão rídiculas como aquela e o esquecimento não teria sido rompido, porque ele me encontrou no orkut, desgraçado!

Meu cérebro tanto fez questão de apagar tudo que, quando vi seu nome e sua foto, nada me disse, mesmo ele usando a infame frase que amante de uma noite usa ao reencontrar seu homem: "você lembra de mim?" Eu olhava sua foto de perfil, a frase e o seu nome e não lembrava dele! Cheguei a cogitar a hipótese de que nunca havia, de fato, gostado.

A resposta veio seca e abusada como ele merecia: "não, não guardo todo mundo que passa por mim , só alguns relevantes."

Ele não se intimidou, me arrependi da grosseria mais tarde, bastou meu cerébro acessar seu doce nome na sua imagem e até a frase de amante de uma noite e a minha tragédia adolescente foram esquecidas naquele instante. Ora, mas porque tanta benevolência?

Forçando uma indiferença, tentei não dar importância ao fato.
Mas fui tomada por um sorriso que sem permissão invadiu meu rosto e um sobressalto na cadeira diante do computador e se no meu país não havia terremoto, devia ser meu coração me avisando sem nenhuma delicadeza que eu ainda era uma tola colegial apaixonada pelos seus óculos e sua altura, dentre outros atributos, mas como não posso ceder a pieguice...

Como narradora moderna que sou, não preciso preencher todas as lacunas do texto, pois suponho que meu leitor seja mais perspicaz que eu e deve ser, pois há de estar zombando de mim a essa altura da narrativa e certamente, ao contrário de mim, teria ignorado o tal recadinho do orkut se ele não tivesse sido seguido por um cortejo prolongado e por um poema:

O amor, quando se revela,

Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P'ra saber que estão a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer o que sente
Fica sem alma, nem fala,
Fica só, inteiramente!


Cinco anos depois, não há vestígio dessa história. Eu superei a colegial, superei também a universitária e é claro que cresci alguns centímetros. Coisa de gente adulta, e como adulta, adoro uma boa leitura pela manhã e esta manhã, sem precedente algum, sem lembrança alguma do meu amor de colégio, havia um livro, mais escondido que os outros, que estava para ser lido há mais de um mês e não fora, então aleatoriamente peguei o dito livro, de Fernando Pessoa, chamado "O menino de sua mãe" e minha expectativa já não era romântica, era de encontrar fatos da infância do autor que eu muito aprecio. Mas o que será o amor, senão uma eterna infãncia?
A forma relapsa e banal com que peguei no livro, só podia me aniquilar com um excesso de significado que Fernando Pessoa jogou na minha cara com total deselegância com o mesmo poema mandado pela minha paixão de colégio, acreditem!

Fiquei aterrorizada e sentindo a teoria da conspiração atuando contra mim naquele instante, afinal alguma cumplicidade Fernando Pessoa deve ter tido com aquele rapaz, já que ambos usavam óculos...e sempre apelam pro mesmo poema.
Mas talvez seja porque um verso que começa com a palavra amor atrai até a mais cética das criaturas, imagine eu! O amor, mesmo pela mais tola sugestão, desperta grande curiosidade. E como curiosa assumida, eu tive curiosidade e medo, mas enfrentei e reli cada verso reconhecendo, sem acreditar...tocando as palavras. A sensação da leitura foi como o novo, o intocado. É certo que não havia mais paixão, mas eu reconhecia as palavras e me aninhava nelas pela agradável lembrança do cortejo...mesmo atrasado como foi.

Não há estudante do ensino médio ou universitária que resista quando o amado recorre com tanta entrega a Fernando Pessoa e não há mulher que resista quando Fernando Pessoa recorre ao poema com que um dia seu amado lhe presenteou!
Assim, eu também o presentiei com uma crônica chamada O crucifixo no qual, pela primeira vez, consegui contar o meu caso, de forma menos cínica que agora e mais singela, e com o qual presenteio também meu leitor, caso queira ter algumas lacunas preenchidas, pois ninguém merece a angústia da dúvida, pois só a vivência pode nos serenizar.

Insisto no Feudalismo, pois senão fosse o Capitalismo e as redes sociais, eu teria esquecido a mais tempo ainda, esse mesmo tempo que continua brincando...










22 de julho de 2012

Crônica

Gozado como uma velha banguela
falando mal da moça mais jovem e mais bela
Gozado...ainda ontem éramos namorados!
Hoje, cá só, penso o quão inútil fora nossa união
Tão inútil quanto uma vela acesa para um morto no caixão

Ele andava sóbrio, mas pela expressão de bebum
As pessoas preferiam o óbvio
Velhas canções
velho bar
Velha mulher
Velhos os filhos
Que em silêncio, na sala, assistiam o pai se deteriorar
Um derrubar de louça
O pai desajeitadamente bêbado de novo
É que evitar o vício de nada adiantara
Pois as pessoas à sua volta não acreditavam

A turma da rua via o Zé e mangava da sua vida boêmia
Alheio aos problemas da vida
Que sem ele saber
O aniquilavam mais ainda.
O Zé...
E caía nas esquinas
Sem dar conta de si

Ainda ontem,uma pequena de pai e mãe
Seus cinco anos de maltratada infância
Cabelos desgrenhados sobre a cabeça
Assustava a vizinhança
Que entre si comentava perplexa
Os arrupiados cabelos da criança

Fatos do dia, a agonia dos jornais de carnificina
Meninos no vídeo acenando enquanto o defunto...
Ah, só mais número!
Para juntar-se aos infinitos desse mundo

Um casal sob a luz do poste
Gasta toda a iluminação pública
Em públicos atos de amor
Que incomodam aos que não tem esse luxo
Gastem, amantes, esses clichês ditos a séculos
Pelos seus ancestrais entediantes
Mas alguns anos depois de casados
Veja só que triste fardo...
Móveis riscados pelo gato
Brigas por um copo quebrado
A noite...sem amor, mas cansaço
Portas da estante já não brilham como antes
A casa revirada e aquela união, uma piada
Restos de sonho e nem toda a luz da casa
Ilumina mais aquela família quebrada

Havia uma mulher
Generosa e gorda
Que fazia comidas deliciosas
Engordava o marido
Que com toda energia ía comer as mulheres de fora
E pra generosa mulher, só deixava as sobras

O sol, os velhotes babando as meninas
O crediário que a família não dá conta

Tudo é motivo de piada e chacota
O Ceará moleque vaia até o sol
S
e aparece em inapropriada hora

Mas lá vem o amor de novo bater à minha porta
E como um quase estranho me fala manso
Me pede água
Eu trago um copo
Falamos pouco
Mas como a água que regenera o corpo
O amor sempre nos aproxima de novo.





21 de julho de 2012

O esquecimento, as palavras, o Amor e a Literatura, não a paixão


Imagem do filme O Leitor
Bom mesmo é esquecer, para quando for madura, lembrar.
E eu preciso abandonar antes que se deflagre abruptamente nosso próprio abandono e eu me surpreenda atônita com a brusquidão com que as separações se dão nos tempos modernos, ao contrário dos meus avós, que juntos, mesmo com certo íncomodo, talvez o da total certeza de que nunca desvencilhariam aquelas mãos, às vezes se auto acusavam, mas que não excediam mais que uma resposta impaciente a velhas questões que não levariam à cabo, que levariam ao túmulo com alguma irreverência.  
Eu preciso me afastar disso que tanto me atrai. Há literaturas que viciam e eu não posso me sujeitar a tal prisão, preciso ver se não é somente uma lei da Física que atua sobre nossos corpos, preciso ver se sou mesmo merecedora de tal grandeza, que é a de amar um objeto que seja, uma ideia, um animal, uma pessoa, ou até mesmo uma entendidade espiritual, ou o universo.
A leitura é uma conversa estranha, na qual eu só escuto a minha voz.
De palavras que eu não sabia dizer, mas que eu digo a mim fluentemente e reflito surpreendida pelo tamanho significado que isso tomou na minha vida. E a leitura de Literatura então...é a dança de uma infinita descoberta, como se os pés não soubessem onde vão pisar, mas ainda sim ousassem. É como se houvessem precípicios entre meus passos, mas havia confiança de que a palavra não iria me decepcionar, que meus passos seriam confortados pela certeza do chão (dos mais íngrimes aos mais delicados).
Eu dançava de par com alguém, os mais desconhecidamente lindos movimentos e precipitava meu corpo sobre meu par com graça quando ele me acariciava e ficava em assombro quando ele tocava meu corpo onde eu não permitia. O susto da arte provocadora, inquietante, que só entenderá quem um dia se defrontou com um quadro e não o compreendeu. O desencontro de dois mundos incomunicáveis...até buscou, mas desistiu.
E ao mesmo tempo em que aquele ato solitário me dava prazer, dançar comigo mesma e
com outro desconhecido. O fantasma que me falava aos ouvidos as mais estonteantes palavras, também me assustava a tamanha intensidade do que eu era capaz de dizer e fazer com aqueles ditos e entreditos.
Por que você deixou espaço para que eu deduzisse tantas coisas, meu amado livro?
Por que você instigou meus ouvidos com promessas de mundos que nunca me apresentaria?
Há frustração também em cada leitura...
Eu era aquela personagem dos contos de fada que dança desenvolta, alegre e completamente envolvida por um partner elegante, confiável, de braços fortes e, por vezes, eu acordava solitária com as mãos no ar, me sentindo ridícula e decepcionada pela precariedade de alguns encontros, mas tendo o consolo de que ninguém havia presenciado a minha entrega e o posterior abandono a que meu corpo fora jogado com total descaso para o nada, pois a Literatura é capaz de levantar as mais intrigantes questões, quase lhe dar a resposta e escapar.
Bom é estar esquecido daquele livro que eu tanto idolatrei na adolescência, na faculdade, tietei, busquei mil referências, citei para exibir melhor minha devoção que era quase física, pois eu andava com ele grudado ao meu corpo para cima e para baixo. Orgulhava-me dele como filho meu, ou amigo íntimo, coloquei palavras e trechos inteiros dele bem no fundo da minha mente, que de tanto ler e reler as maravilhosas palavras, quando surgia a cena apropriada, cujo texto se encaixava, lá estava eu recorrendo ao meu "guru", ao meu oráculo literário...mas veja só a fatalidade...
Eis que um dia, sem mais porquês, eu me enfadei dele, cansei simplesmente e aquelas palavas mágicas já não chegavam ao meu íntimo como antes, ou "ele" cansou de mim ou simplesmente compreendeu que cumpriu com êxito a função a que se propôs na minha vida.
Bem, nos afastamos, pois não fomos feitos para ser exclusivos e estávamos exaustos das palavras que já nao confortavam, mas por vezes sufocam.

E assim, exauridos um do outro pela palavra que, de mágica, se tornou repetitiva aos meus ouvidos e à minha boca, que cansados de proferi-la, queriam agora o silêncio, a distância física, pois havia um despertencimento iminente, era o medo da decepção anunciada pelas incalculáveis repetições veementes e vazias, e cruas e curtas, pois esse é o fim do dito, redito, mas não vivido. A alma, essa colorida tela, precisa de alívio, de algumas boas certezas e algumas, mas somente algumas pequenas dúvidas para se inquietar e buscar e avançar.
Grandes mistérios...do que me servem? Ficam perdidos no fundo do mar. Não é a toa que tesouros foram perdidos e nunca usufruidos. Eu não quero um ouro anunciado à minha vista e que eu não possa tocá-lo. Eu acredito no que não vejo, mas não acredito no que não me é permitido. Eu só preciso de pequenos e possíveis misteríos, pois minha alma é infantil, e ela também é mistério para mim.
Eu me contento em amar.

Eu não preciso de grandes e prolongados jogos de sedução para saber o que quero. Às vezes uma pequena frase proferida de tal modo me faz interessar por um livro. Não, eu não preciso de grandes provas para ter meu escolhido.
Eu preciso de um amor que muitas e muitas vezes esteja na minha mão, para que eu possa afagá-lo como afago a cabeça de um cão criado no meu lar, com que passeio despreocupado, sabendo que ele não vai se esquivar, pois a confiança nos permitiu o bom trato e a segurança como a da criança que segura a mão da mãe ao atravessar a rua sem se sequer se questionar.

Todo amor, é claro, precisa de algumas pequenas instruções, mas a mãe é boa e ama e explica. Não fica numa dúvida insana se leva o filho ou não pela mão.
A literatura precisa ser incorporada, vivenciada, absorvida, senão não passará de história mal contada, ouvida apenas como murmúrios, ecos distantes, ruídos incompreensíveis e a a gente fecha o livro porque é melhor a distância que uma falsa proximidade.
Tempos depois, reencontrei-me novamente com meu livro e tivemos o que dizer novamente um ao outro renovados, melhores, menos inseguros.
Assim, aconteceu a poucos instantes comigo e algo que por mim passou, talvez um livro que eu já tenha lido, assim há de acontecer com os que são verdadeiramente amantes, ou amigos, não possiveis-paixões-desconhecidas.