Aprendendo a ser

Minha foto
Fá-lo-ei por eles e por outros que me confiaram as suas vidas, dizendo: toma, escreve, para que o vento não o apague.

31 de outubro de 2008

algumas palavras pro futuro

Eu quero as minhas rugas
Os meus erros
Ter guardados comigo
Os meus pequenos segredos
Escondido mais ao canto
A caixinha dos meus medos

E quando mais tarde
Sem muito o que fazer
E então displicente como um cão deitado ao chão
Me encontrar a inevitável solidão
Procuararei um velho amigo
E sorriremos conversando numa tarde de domingo

E às seis, chegue a família pra jantar alegremente
E sorrirei contente
E nesse momento a Deus peço
Uma tarde de domingo
Sentada à varanda e no colo meu mais novo neto!

Eu sou nostálgica demais, pareço ter perdido alguma coisa que não se sabe e quando

Clarice Lispector

24 de outubro de 2008

Infância roubada

Não que ela fosse uma qualquer
Pra ele bastava - era mulher
Não tinha pai, não tinha mãe
Solta no mundo - que ingrata aurora!
Aceitaria a qualqur hora o que a vida lhe dera de esmola

Em tenra idade desamparada
Com um cuidado ja nao contava
Olhos perdidos na imansidão
E sentada na calçada
Aos passantes olhava com sofreguidão

Às seis ja procurava
Lugar seguro pra se abrigar
Enquanto os outros a espreitavam
Em sinal de desconfiança ficavam pra ela olhar

Relutava em morar com homem
Se tão menina ela ainda era
Pouco conhecia da vida
Mas de alguma forma ja previa
Que relação seria aquela

Ele dizia cuidadoso
Vou cuidar de ti como um pai
Mas alisava suas pernas
Ela arredia es esquivava
Não queria aquele homem
Mas algo o aproximava

Dia a dia ela fugia
Dormia cedo, se protegia
Fuga inutil ela sabia
Que cedo ou tarde ele a teria

Até que um dia sorrateiro
Da cama dela se aproximou
Afastou lençol, roupa tirou...
Dizia ofegante e com ardor
Peças tiradas uma a uma
Sem respeito, sem pudor
Aquele homem tirou o encanto da ingênua flor!

Da cruel indiferença

É proibido deixar os amigos,
não tentar compreender o que viveram juntos,
chamá-los somente quando necessita deles.
Pablo Neruda - É proibido



Já nem falo dos sorrisos dados em vão
Das palavras fúteis, displicentes, ditas sem compaixão
Já nem reclamo das presenças tão ausentes
Das guerras frias não-declaradas
De toda a má vontade
Das lágrimas disfarçadas

Já não me dói que não me olhes nos olhos
Também não tenho vontade de te encarar
A indiferença com que ages a por mim passar
Não me incomoda que te esqueças de quem eu fui
Sempre presente e pronta pra te ajudar
Senão te lembras, quem sou eu pra te lembrar?

Pois eu tive que pagar minha dívida de alegria a um mundo que tantas vezes me foi hostil
Clarice Lispector

Frustrante procura

A minha pobre poesia
Erudição não possui
É peça reles, vulgar...
Em decoração comum
É palavra fácil, fraca
Que não comove ente algum

Por vezes ainda tentei
Ler poetas renomados
Pra ver se a inspiração
Em sorte de principiante
ajudava a pobre poeta
Na busca da escrita errante

Não, não...a escrita não era pra mim
eu tentava inutilmente tê-la até o fim
Mas não, não, ela fugia decidida
Ela fugia sagasmente
Como foge de um predador
Um esperto colibrí

Como uma aranha fugidia
Escapa na sútil teia
A escrita de mim fugia
E eu resignada sabia - não, não a teria

Minha rima desgrenhada
A ninguém pode agradar
É dinheiro falso, sem valor
É flor de papel, não é flor
É ave presa sem direito a vôo
É casal separado, sem amor




19 de outubro de 2008

A inesperada renovação

"As pitangas, por exemplo, são elas mesmas
Que pedem para ser colhidas, em vez de amadurecer
E morrer no galho, virgens."

Clarice Lispector - Felicidade Clandestina

Seco, o pé de pitanga
Já não floria a muito tempo
A muzangra que as flores duravam mais de mês
Já não dava sinais de vida há muito tempo
Eis que a coragem invadiu-lhe o peito de vez
E correu para aguar com avidêz
Fruta e rosa, regar a raiz na aridêz

Passou o tempo
Ela não via resultado
As flores não pareciam reagir
E a pitanga não se punha a florir

Desiludida, ela pensou
- Que luta vã!
Nada de flores, nem frutos no meu jardim
Será que a beleza de mim se escondia?
E a vida um gosto não me permitia?

Dia a dia a luta continuava
Com o balde e mangueira a regar
Até que um dia, displicente que estava
Achava mesmo que nada ia melhorar
E numa manhã, saindo à porta, se espreguiçar
Eis que as pitangas lhe sorriram do pomar
E a muzangra do jardim a lhe olhar
Como quem agradece com o seu belo verdejar
E com o cheiro pela casa a exalar
Parecia silenciosamente falar
- Obrigada por em nós acreditar!


-"Eu não espero flores ou algo do tipo...
-Mas eu meio que imaginava flores"...




Palavras vãs




"e eu que chamava de amor, a minha esperança de amor"
Clarice Lispector


Sim havia em mim ainda um quê de amor
Desiludido é bem verdade, mas se chamava amor
Que palavraa tão lindas ouvi um dia
Em pouco tempo, não...não foi verdade
O que tua voz me dizia a sussurar
Era só vestígio do que tu dizias sentir
Do que forçavas tua voz a dizer
Pra que dissestes entao, senão sentias bem querer?

É certo, tola eu fui de acreditar
Era a primeira vez que o amor me sorria
E ouvindo palavras tão bem articuladas
Estava sóbria, me recusava a acreditar
Mas tantas vezes tu disseste com certeza
Que as palavras conseguiram me inebriar

Amor vão, em pouco tempo se acabou
E eu comecei, a pensar
Que o que cremos durar uma vida inteira
Às vezes não alcansa uma esquina dobrar

A fugacidade das pessoas, dos sentimentos
Me parece igual a incerteza da flor
Num dia acorda esplendorosa
No outro dia o sol lhe verte a copa com dor

Não, não te culpes, vás em paz
Já não freqüentas os meus sonhos infantis
Já nãio verto as lágrimas que um dia
Eu verti...com pena de mim, por ter perdido a ti.


"Você disse que me amaria até morrer, e até onde eu sei, você ainda está vivo."

18 de outubro de 2008

Eu sempre fui poeta

Cada palavra é uma borboleta morta espetada na página por isso a palavra escrita é sempre triste
Mário Quintana



Eu não sabia que esse dom em mim morava
Por tantas vezes cheguei a duvidar
Entre os sorrisos que aos outros distribuia
E as lágrimas que, insistentes me caíam
A leitura e a escrita - quem diria que aos poucos elas me renovariam

Nas tardes de domingo
Nada a fazer
Não havia com quem conversar
Um desabafo, eu sei, eu não podia
O peso do silêncio, pouco a pouco insiitia

Entao pensei o que poderia fazer
Para a solidão dessa tarde aplacar

Pensei comigo - pôr no papel meus sentimentos
Eis que os versos se puseram a rimar

Tentei conter a angústia, a surpresa
Que de mim saia em forma de pobres rimas
Pobres-rimas-tristes era tudo que eu podia dar
E como um rio a desaguar em pleno mar
Aquele instinto eu não sabia controlar

A rima findou-se
Quando eu mal podia esperar
E que surpresa eu pude vislumbrar
Um poema de lamento ao meu penar
Olhei o céu e pra surpresa do meu eu
O sol distraído ja encostava no mar
E por um instante aquela tarde, outrora triste
Era a descoberta de um poeta, numa tarde de domingo

Dúvidas

Havia coisas que eu não entendia...e talvez jamais entenderia
Por que as pessoas mudam tanto a cada dia
Por que o sorriso muda tanto -
dissimula
Por que aos poucos diante das coisas que um dia
acreditei
Eu vou aos poucos mudando minha postura?

Por que as frutas só põem na estação?
Por que as aves escondem seus ninhos queridos?
Será que a felicidade só é possível às escondidas?
Em tempo, em lugar certo...

De preferência, longe dos olhos alheios
Que de alheios nada têm - Somos iguais
E as diferenças entrepostas no olhar
Que diz os sentimentos revelar
E as mesquinhezas a encobrir, a forjar

Tantas dúvidas haviam em mim, em mim, menina
E tantas delas eu jamais descobriria
Tantos segredos obstinada eu guardava
Como diria Oswald Montenegro
- Hoje são bobos, ninguém quer mais saber

Por que ainda tento entender as pessoas
Por que me lamento todo dia
Por que luto por
causas ja perdidas
Por que choro tanto com as partidas
Por que sorrio com as chegadas
Por que só me sinto em paz na minha morada
Por que insisto que é possível ser feliz
Por que ainda sonho com o verdadeiro amor
Por que quero debelar de mim
toda dor

Se nada disso eu posso evitar
Sou tão pequena diante das circunstâncias
Como uma árvore em pleno pomar
Cujas as raízes firmemente presas
E os galhos sonhadores a voar
Assim minha mente não quer aceitar
Mas para o chão me ponho a olhar
Pra me lembrar da crua realidade
E que nada eu posso controlar


11 de outubro de 2008

Da fuga de si mesma



Tenho fugido durante todo o dia daquela que perceberia, numa palavra, mesmo displicentemente dita, numa nuance de humor, numa tristeza mal disfarçada, numa mágoa incontida, numa dor não recuperada, que por mais maquiada que fosse, não, não tinha...ela perceberia...
Horas a perder de vista no espelho, procurando, procurando....tentando, inultilmente, encontrar aquele sorriso de princesa, ou mesmo uma expressão neutra, que é o que aprendemos de menos superficial com as pessoas, superficiais que elas são, uma expressão qualquer que fosse, ora mais, mas que tirasse aquele ar de quem estava cansada demais, frustrada demais...essa expressão, que nem sei como, se instalou naquele rosto.
Eu peço à pessoa da qual tenho fugido, que perdoe o riso gratuito e a alegria postiça, que escondia uma tristeza tão grande, que ninguém nunca suspeitaria e, que, por tantas vezes fizeram as pessoas dizerem: 'você sempre está tão de bem com a vida' E ela respondia com um sorriso, que afinal, ela, triufante confirmava que conseguia convencer a todos.
Naquela noite, enquanto a casa dormia, ela velava e por fim, se rendia em confidência a quem durante a vida de virgília, ela negava encontrar.
Fugir de si é a mais fraca e vã covardia, e nessa fuga errante, sem êxito, inclusive uma fuga de tudo mais que a atormentava, fuga daquela família feliz. Tantas vezes, quando parecia vencer, ela ainda estava ali, parada, olhar vago e perdida, feito menina do pré-escolar, esperando que alguém viesse buscá-la.
Quando um dia essa fuga se realizasse bem sucedida, ela seria outra que não ela mesma, assim como a menina do conto Restos do carnaval.
Toda fuga, mais frustrada que seja, pressupõe um encontro com que quer que seja, até mesmo com o oposto do que se quer encontrar.

5 de outubro de 2008

Liberdade

- Nao se preocupe, você ainda vai voar
Mas nesse dia, você vai estranhar!

Ele falava de liberdade
Como quem lamenta uma condenação
Que recai como um desamparo
Como um laço a se desfazer
Sem braços pra reerguer!

E na saudade ele falava de tudo
Até as broncas do pai falta lhe fazia
Liberdade e solidão
Combinação que eu nao imaginaria

Com linhas que eu encontrava pelo chão
Pequenas aves eu desenhava
Talvez a antiga aspiração
Que o iconsciente me revelava

Falou-me ainda de coisas
Já tão sabidas
Mas ao ouví-las de novo
Tão novas se tornariam
Me pareciam novas e antigas
Tão lindas, revelativas...

Se nossas vidas são tecidas
Pelo fio dos nossos sonhos
A verdade a bem dizer
Que outros fios se entrelaçam
Á nossa bela tessitura
Rompem com nossa costura
Misturam tudo, tudo, tudo...
Amarrotam todo bordado
Entrelaçam fio dourado
Com o rústico algodão
Desfazem os sonhos da gente
Destecem sem compaixão



"O homem está condenado a ser livre."
Sartre

Da limpeza dos armários







Com cuidado vou deixando
Todos por quantos ja passei
Os sorrisos se esvaecendo
E o meu rosto vai dizendo
Um displicente e triste adeus

Eu preciso limpar o armário
Tirar da gaveta velhos amigos
Ligar pra aqueles com quem há tempos não falo
Reviver os sorrisos que há tempos não dou
Oferecer aos outros um pouco do que eu sou

Abri uma gaveta
Encontrei um colega de infância
Sorrindo comigo na foto
Será que ainda lembra
Se passar por mim na rua?
Será que ainda sorri
Se me achar numa foto sua?

Lembrará das brincadeiras?
Dos gracejos que um ao outro fazia?
Ou será um mero estranho
Que passou por mim na rua um dia?

Uma cartinha, veja só...
Que eu fiz para a professora
Um sorriso ela me deu
Poderia descrevê-lo agora

Escondido mais ao canto
O diário confidente
Amigo de tantas horas
Leio e mal reconheço
As palavras que um dia, inocente eu proferi
Será que mudei tanto
Que nem lembro o que escrevi?

Dentro de um livro
A foto da família
Em pequena eu não sabia
Como pouco a pouco
Eu deles me distanciaria

Vou achando entre os guardados
Os vestígios do que eu era
Minha família, meus amigos, meus sorrisos, meus escritos...
E o tempo que diz que as dores cura
Também é veneno que as distâncias aprofunda

Entre a lembrança que se vai
E os papéis tão delicados
E também tao delicados
Nossos laços se mostraram
Tão frágeis se fariam
Inocente eu não sabia
Que tudo seria lembrança um dia

Hoje só papéis achados
E velhas fotografias
Escritos velhos, desbotados...
De nada me serviriam
Deixei-os ali no armário
Não quero lembrar que um dia
Fui menos só e menos triste
Eu tive um pouco de alegria


" O que é verdade permanece"
Spinosa